Após ser mordida no rosto por cão de estimação, mulher se prepara para cirurgia de reconstrução
“Não quero que se desfaçam de seus animais por causa do que aconteceu comigo. Não matei nenhum animal. Só digo para procurarem um adestrador.”
A técnica de enfermagem Natani Santos, de 35 anos, se prepara para uma cirurgia de reconstrução labial depois de ter parte do rosto arrancado em um ataque do próprio cachorro, um chow-chow chamado Jacke, com quem vivia havia cinco anos.
O procedimento será feito gratuitamente pelo projeto Leozinho, que atende pacientes de baixa renda com deformidades na face. A cirurgia representa, para ela, um passo importante na tentativa de superar não apenas o trauma físico, mas o abalo emocional provocado pelo ataque.
“Por eu ser da área da saúde, consigo lidar com o ferimento. Mas não ter mais o meu animal e não ter mais estrutura psicológica para tê-lo perto de mim está de alguma forma mexendo muito comigo”, desabafa.
O caso ocorreu na manhã do dia 5, uma segunda-feira, em Ji-Paraná (RO). Segundo Natani, o cachorro rosnou instantes antes do ataque, mas a mordida foi inesperada e rápida. “Ele rosnou, eu me afastei e ele mordeu e se encolheu na mesma hora. Era como se tivesse entendido que fez algo errado”, relembra.
Apesar do choque, Natani voltou para casa no mesmo dia e agora aguarda a retirada dos pontos para realizar a cirurgia de reconstrução. O procedimento será realizado em Santa Catarina, pelo projeto idealizado pelo cirurgião bucomaxilofacial Raulino Brasil, que já atendeu mais de 30 pessoas desde 2021.
Agora, com ajuda de uma vaquinha online, Natani arrecada recursos para custear passagens, alimentação, hospedagem e o pós-operatório. A operação em si será gratuita.
Trauma e acolhimento
Moradora de Ji-Paraná há nove meses e natural de Rio Branco (AC), Natani vive com o marido, o filho de 8 anos e uma gata. Jacke, que nasceu com uma deficiência em uma das patas, foi adotado ainda filhote.
“Ele me acompanhou num momento de depressão profunda. Sentava do meu lado, era carinhoso. Então dói muito não estar mais com ele”, diz.
Depois do ataque, o marido de Natani decidiu levar Jacke a um centro de zoonoses, por precaução e para proteger o filho do casal. Um eventual diagnóstico de raiva foi descartado.
“Entendi muito a decisão do meu esposo. Se ele não passasse por um adestrador, poderia acontecer novamente, e não quisemos pagar para ver. Não tenho raiva dele”.
Julgamentos e mensagens de apoio
O caso ganhou repercussão nas redes sociais depois que Natani compartilhou um vídeo relatando o acidente. A exposição, no entanto, trouxe também comentários agressivos de pessoas que não conhecem sua história com o animal.
“Estou tentando levar as coisas mais na brincadeira, para ficar mais leve. E estou sendo muito bem cuidada, inclusive pela minha mãe, que veio do Acre”, afirma Natani, que, além da carreira na enfermagem, canta, compõe e sonha cursar medicina.
Em meio à dor e ao luto pelo afastamento do animal, Natani reforça: “Não quero que se desfaçam de seus animais por causa do que aconteceu comigo. Só digo para procurarem um adestrador”, comenta Natani.
Análise do comportamento animal
Desde o ataque, Natani gravou vídeos nas redes sociais respondendo vídeos de seguidores com dúvidas sobre como era a relação com o cão. Alguns dos vídeos foram analisados por veterinários e especialistas que buscam pistas para entender eventuais erros no manejo do cão.
A técnica de enfermagem chegou a dizer que Jacke tinha tantos ciúmes dela que chegava a “dar medo”. Os especialistas dizem que comportamentos de posse ou mesmo outros sinais de agressividade precisam ser corrigidos com treinos específicos e que não são exclusivos de uma raça específica.
Em alguns desses episódios, ele chegou a mordiscar a testa do filho e também já chegou a tentar morder sua filha. Por isso, Natani não o deixava perto das filhas que não moram com ela.
“Muita gente se afastou da minha casa. Não tenho raiva dele, não tenho ódio, não tenho rancor. A raiva (doença) foi descartada e, uma vez que o entregamos ao Centro de Zoonoses, cabe ao centro decidir o que fazer com ele. Prefiro viver com esta incerteza, mas acredito que ele esteja com um novo tutor”, conta Natani.
A técnica de enfermagem ressalta ainda que não mandou sacrificar o cão e lembra que já teve outros animais, inclusive uma cadela cega e quatro gatos que morreram de velhice.
Natani conta que já enfrentou outras situações difíceis na vida, como uma tentativa de suicídio durante um quadro grave de depressão e que agora luta para superar o episódio recente com Jacke. “A dor física está sendo mais fácil de tratar do que a do coração”, resume.
Fonte: G1 RO